Número de transplantes de órgãos cresce, mas recusa a doar também aumenta O Brasil é o segundo país que mais realiza a operação e conta com o maior sistema do mundo, mas famílias doam pouco os órgãos de parentes mortos
Marina Vieira Gonçalves é diabética insulinodependente desde o nascimento. A doença provocou complicações nos rins, que se degradaram até a parada renal completa. Quando recebeu a notícia de que um transplante seria a única solução, foi a São Paulo aguardar na fila pelo órgão. Entretanto, após dois anos em hemodiálise, retornou a Goiânia por recomendação do centro de transplante. Fez testes de compatibilidade e descobriu que era compatível com seu pai, mas escolheu poupá-lo, porque a estimativa era de que logo chegasse sua vez na fila. Apenas três meses depois de transferir seu processo para Goiânia, Marina Gonçalves estava transplantada.
O caso de Marina não foi atípico; sete entre dez pessoas que fizeram transplante em Goiás esperaram menos de um ano na fila em 2018, segundo Katiúscia Freitas, gerente da Central Estadual de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos de Goiás (CNCDO-GO). Atualmente, são 45 mil pessoas à espera de um órgão em todo o Brasil, 550 em Goiás. Apesar de a fila no Estado andar mais rápido do que a de outras unidades federativas, Katiúscia Freitas afirma que a recusa das pessoas a doar ainda é o principal obstáculo.
Em Goiás, a recusa entre as famílias de potenciais doadores no primeiro semestre de 2019 foi de 68% – um crescimento de sete pontos percentuais em relação ao ano passado na quantidade de familiares dizendo “não” à doação. O número se traduziu na captação de 188 órgãos. Goiás, que realizou 174 transplantes de rim (80% deles pelo Hospital Geral de Goiânia, um dos dez maiores transplantadores do Brasil), recebeu 77 órgãos de outros Estados. Katiúscia Freitas afirma que, apesar da alta recusa, o número de transplantes neste ano já superou o do ano passado, pois houve mais notificações de mortes encefálicas.
Nem todas as pessoas podem ser doadoras. Órgãos podem ser retirados apenas de corpos em processo de morte encefálica. A Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) define a morte encefálica como a “parada total e irreversível da atividade do tronco e hemisférios cerebrais, sendo necessários dois exames clíniconeurológicos e um exame gráfico complementar. Nessa situação a função cardiorrespiratória é mantida através de aparelhos e medicações.” A associação coloca o desconhecimento deste conceito como uma das principais causas da recusa.
Katiúscia Freitas lista as principais perguntas sobre o assunto: Como a pessoa está morta e com o coração batendo? Vão tirar meu órgão enquanto estou vivo? A doação vai deformar o corpo? Ela mesmo responde: “Nada disso. Explicamos que o mantemos funções do corpo por aparelhos e que o Brasil tem um dos protocolos mais rigorosos do mundo para o diagnóstico da morte encefálica. Só então conversamos sobre a oportunidade de doação. É um momento muito difícil, de extremo sofrimento, e os parentes têm de tomar uma decisão importante em curto tempo, enquanto o coração está batendo.”
Ao contrário do que se acredita, tatuagens no estilo “sou doador de órgãos” não substituem a decisão de parentes. Nenhum procedimento formal é necessário e parentes detêm a decisão exclusiva sobre o que ocorrerá com os órgãos do ente. Por isso, conversar sobre o assunto em vida, mesmo que desagradável, é importante. Katiúscia Freitas afirma que a principal razão pela recusa é o desconhecimento da vontade do possível doador.
Marina Vieira Gonçalves atualmente tem rins saudáveis e está na fila de espera de São Paulo por um pâncreas isolado, transplante que não é feito em Goiás. Ela afirma sobre a importância do diálogo nas famílias sobre o desejo doar: “As famílias têm de se comunicar, deixar o desejo muito claro. Essa decisão não pode ser tomada em um momento de confusão e sofrimento. Um doador pode salvar muitas vidas com seu fígado, coração, pulmão, córnea, pâncreas, rim, pele, medula.”
Katiúscia Freitas lembra a nobreza do ato: “Essas famílias que dizem sim, falam sim sem saber quem irão ajudar. Ajudam mesmo sem saber. São 45 mil pessoas na fila no Brasil e qualquer um de nós pode vir a estar nela algum dia. Quando se salva alguém, você não está salvando apenas uma pessoas, mas seus familiares e amigos que sofrem também.”
Por Italo Wolff
Fonte/Créditos: Jornal Opção